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Jandira & Benitez

Jandira & Benites também brasileiros cantam e compõe em português e espanhol, representam e difundem a música da fronteira.
Benites ao percorrer no fio da memória a história de sua vida, revela, sob o signo da saudade, a musicalidade de dois países irmãos e analisa com sensibilidade a influência guarani nas músicas dos países do Mercosul.

Legítimos representantes da música de fronteira, Benites filho de pai brasileiro e mãe paraguaia, e Jandira de pai paraguaio e mãe brasileira, sempre homenagearam e cantaram Mato Grosso do Sul.

Cresceram com a arte na alma, o que os direcionou a viver intensamente da música e para a música.

Jandira & Benites,  inauguraram a época da música ao vivo nos restaurantes, em Campo Grande, cantando na churrascaria Braseiro. Em todas as casas que se apresentaram: Vitório’s e Ponteio, entre outras, ganharam prestígio com a participação da dupla.

Mais tarde, inauguraram o restaurante La Carreta, que abriu portas para artistas latinos americanos e sul-mato-grossenses.

Criaram o espaço cultural Sol da América inspirados na ligação espiritual com o povo Inca, do Peru. Benites prosseguiu com a vida artística apresentando-se em vários  locais e nos finais de semana se apresentava no Argüille  Bar.

Excursionaram pelo Brasil e países da Bacia Platina num trabalho de integração da arte, levando nossa música por onde passavam.

Jandira deixou-nos, em 1994, mas vive em nossa memória por meio de composições e apresentações que marcaram época nos corações de todos que tiveram o privilégio de com ela conviver.

Sobre a trajetória da dupla fala hoje Benites, que hoje dá continuidade á vida artística com entusiasmo e vitalidade. Com suas habituais performance, procura alegrar e surpreender os ouvintes fiéis que o aplaudem entusiasticamente.

Origem

Meu pai, brasileiro, serviu no 11° Regimento da Cavalaria de Ponta Porã. Casou-se com minha mãe paraguaia de Pedro Juan Caballero.

Nasci numa fazenda sul-mato-grossense, a Santa Rosa de Djalma Saldanha, em Itaquiraí, onde meu pai trabalhava.

Meu nome é Ciríaco Benites, mas todos me conhecem por Benites ou Neno. Fui criado em Ponta Porã e desde cedo senti a música em mim. Meu pai tocava violão, bandolim e cantava.

Aos oito anos, ganhei do meu tio uma gaita de boca da marca Vendedora e aos 14 já era saxofonista.

Meu pai foi convocado a combater na Itália, na segunda Guerra Mundial. Não concordando em ir para a guerra foi considerado desertor. Em 1945, fomos todos a pé da fazenda até a fronteira de Ponta Porã, onde ele registrou os filhos. Crescemos em Pedro Juan Caballero e conclui a quarta série ginasial no Grupo Escolar Bento Gonçalves em Ponta Porã.

Depois dos 15 anos, meu tio queria que eu fosse estudar em São Paulo, mas eu já estava de cabeça virada para o mundo da música. Logo que chegamos meu pai foi embora para Amambaí e mamãe resolveu distribuir os filhos para os irmãos. Criado por meu tio Luís Meireles cresci com a musicalidade na alma, só queria viver de música e para a música.

Início da carreira artística

Tocava com dois guris violeiros. Fazíamos os bailezinhos nas casas, e a meninada dançava. Levávamos muito a sério a música apesar de sermos crianças. Sentíamos

Cada vez mais a necessidade de manifestar o sentimento artístico. Nossa maior aspiração  era tocar  num palco com o público assistindo.

Aos 18 anos já era saxofonista e integrava um grupo com pistón, bateria, contrabaixo.

Tocávamos no recém inaugurado Tênis Clube de Ponta Porã. Nessa época eu começava a ter noção maior do que é um grupo musical, do entrosamento necessário entre os artistas e do crescimento que isso proporcionava.

Quando chegou o tempo do serviço militar, consegui que o comandante do regimento  de Cavalaria me enviasse para servir em Campo Grande, sonhando com o dia de conhecer a cidade.

Cheguei a Campo Grande, acompanhada do amigo Clarito que me deu assistência e levou-me ao quartel general. Servi na 14° Companhia da saúde e um ano depois dei baixa. Cantava muito na noite e era conhecido por aqui.

Fiz amizade com os oficiais solteiros, que me apresentavam às pessoas e me levavam para fazer serenatas com um acordeonista que me acompanhava.

Retornei à Ponta Porã, formei um grupo de músicos e voltei a tocar saxofone com artistas de Assunção, que dominavam instrumentos de sopro e teclado. Gostaram do meu som e me convidaram para excursionar com eles em Campo Grande.

O projeto era ganhar dinheiro para ir trabalhar no Rio de Janeiro ou em São Paulo e depois pegar um navio para ir para a Europa, mesmo que, para este fim tivéssemos que lavar pratos para pagar as passagens. Brincávamos mas no fundo era verdade. Eles acabaram indo e eu fiquei aqui, conquistado por Jandira com quem formei a dupla.

Quem era Jandira

Jandira nasceu em Aroeira, perto de Rio Brilhante. Sua mãe Deolinda Rosa Sandim, veio de Mariana, Minas Gerais, e o pai Salustiano paraguaio. Quando eles estavam chegando a Aroeira, a mãe de Jandira deu à luz na carreta.

Desceu com a filha nos braços e sem a oportunidade de ter assistência médica veio a falecer.

Salustiano, peão da fazenda, fazedor de cerca, vaqueiro, levou à criança até Rio Brilhante e entregou à senhora Antônia Nogueira, dona do de um hotel na cidade, que a acolheu.

Dona Antônia, filha de um fazendeiro do Paraná, viúva desde os 15 anos, pegou amor pela criança. Após alguns anos, o pai doou-a de papel passado para aquela que a criva como verdadeira mãe. Dona Antônia morou com a filha a vida toda, e faleceu aos 88  anos cercada de muito amor e carinho.

Jandira estudou no colégio Maria Auxiliadora e depois se formou professora, em Lins, São Paulo. Era uma mulher inteligente, dinâmica e empreendedora. Casou-se cedo com Carlos Buytendorp e teve duas filhas que muito amava a Márcia e a Yara. Do segundo casamento, comigo, nasceu Samuel Ataualpa. Era espírita, acreditava em reencarnação. Eu também sou espírita e hoje trabalho inspirado pela vibração espiritual.

No início do meu casamento fui a um centro espírita, e uma entidade incorporada me alertou que Samuel ia chegar. Estranhei, pois Jandira havia feito tratamento para não ter mais filhos. Pouco tempo depois tivemos a grande alegria  de saber que ela estava grávida de Samuel.

Cantora, violinista e compositora escrevia as músicas num caderno. Em 1962, gravou em São Paulo com o grande maestro paraguaio Hermínio Gimenez, Mi Pena, em espanhol, em português, Minha Dor.

Escreveu composições em homenagem as cidades como: Coxim, Campo Grande e Corrientes. Os artistas atuais estão gravando músicas que me deixa muito feliz. O Marlon Maciel gravou Guainita Amada.

A Dupla Jandira & Benites : o encontro e a formação da dupla

Conheci Jandira logo que chegamos a Campo Grande, porque o grupo musical que eu integrava, hospedou-se num hotel entra as ruas Dom Aquino e Cândido Mariano, cujo donos eram paraguaios.

O proprietário do hotel nos apresentou Jandira (que quer dizer favo de mel), que era dono de uma boate Caravelle. Na época estávamos terminando o contrato dos grandes músicos que se apresentavam na casa: maestro Pedroca, acordeonista; Lalo, pianista; Javer, pistonista; e Agápito Ribeiro, saxofonista. Jandira procurava justamente músicos que incluíssem no repertório ritmos sul-mato-grossenses da fronteira: chamamé, guarânia, polca e rasqueado. Tocamos por uma hora e agradamos em cheio. Fomos contratados por mais oito meses ao fim dos quais comecei a observar que eu e Jandira já tínhamos um olhar diferente um para o outro. Começou a surgir entre nós uma de elo de ligação que foi crescendo. Quando venceu nosso contrato. Jandira perguntou se eu queria ficar com ela e respondi que sim. Os destinos foram traçados,meus companheiros seguiram para São Paulo e posteriormente para a Europa .Mas eu formei dupla com Jandira do que não me arrependi cantávamos e tocávamos instrumentos.

Tive o prazer de conhecer, em 1967, o maestro Hermínio Gimenez, grande amigo de Jandira, autor de Meu Primeiro Amor, Cierro Corá, Renascer el Paraguai, Canto de Mi Selva e outras guarânias de sucesso o que nos proporcionou grande sucesso.

Procurei aperfeiçoar-me na teoria e execução de instrumentos musicais. Tive aulas de saxofone com o maestro paraguaio Da Cuña, em Pedro Juan Caballero, e estudei piano com a professora Tunita Mendes, em Campo Grande. Eu e Jandira decidimos excursionar por alguns anos no País. Visitamos Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Paraná, Santa Catarina, além de Cuiabá.

Música ao Vivo – La Carreta

Nos anos de 1960, os restaurantes de Campo Grande não apresentavam música ao vivo. Cantávamos às vezes para os amigos, no restaurante Braseiro, do general Bacchi, que, devido o sucesso que fazíamos, resolveu nos contratar. Aceitamos formar um grupo para cantar no restaurante, tocando de mesa em mesa noite adentro. A moda pegou e lá permanecemos por vários anos.

Tempos depois, eu e Jandira, inauguramos o restaurante La Carreta. Compramos o ponto de dona  Maria Edwirges,  proprietária de uma lanchonete que funcionava na rua Calógeras , esquina com a rua Barão do Rio Branco.

Abrimos também a Lavanderia Sol, que funcionou por 15 anos, na Rua Rui Barbosa, com apoio do amigo Cantero.

Trabalhávamos para sobreviver. De dia na lavanderia e de noite no restaurante, sem descanso.

Criamos um espaço para músicos daqui e de Buenos Aires, trouxemos músicos correntinos. Para a noite do chamamé, com grandes bandeonistas, trazíamos os Violinos Mágicos do Rio de Janeiro, um grupo  de violinista vestidos de zíngaro,que tocavam a luz de velas e causavam grande sensação. Recebíamos também o som dos Andes, dos grupos peruanos e bolivianos que vinham enriquecer nossas noites, além de músicos e bailarinos paraguaios de Assunção. Era uma casa de muita alegria e cultura musical, que estava sempre lotada.

Convidávamos músicos daqui como Zacarias Mourão, que tinha um selo, uma gravadora, em São Paulo que abria as portas para os artistas sul-mato-grossenses. Devemos muito à ele que ajudou nossos artistas a gravarem discos,o que era muito difícil na época.

Em 1982. transferimos o La Carreta para um grupo de empresários do Rio Grande do Sul. Passamos então a cantar nos restaurantes de Campo Grande como o Vitório’s e o Ponteio, aumentando a clientela que nos aplaudia com entusiasmo. Dessa forma posso dizer que implantamos a era da música ao vivo nos restaurantes do estado.

O Sol da América

A sensibilidade cultural é fundamental, marcante para a vida. Principalmente do artista. Nós temos uma terceira visão. Quando eu canto ou componho sempre existe algo que vejo além da realidade. Temos valores, artísticos, espirituais, nossa seita, nossa doutrina. Por termos aceitado a doutrina espírita eu e Jandira criamos o Sol da América, em 1993. Essa ligação nasceu em função da sintonia que temos com o povo Inca do Peru, com Atauapa, o último rei Inca.

Recebemos comunicações espirituais e acreditamos em seus ritos, na luz que emanam.

O espaço Sol América funcionou com grande sucesso por dois anos.

Brasileiros com muito orgulho

A dupla Jandira e Benites sempre homenagearam e cantaram Mato Grosso do Sul. Somos sul-mato-grossenses e fazemos várias músicas brasileiras. Em português, além de compor em espanhol e guarani.

Graças a Deus falo três idiomas, português, espanhol e guarani, porque cresci na fronteira, onde me ajudaram a elevar meus sentimentos nas horas mais tristes e mais alegres.

Servi o exército, jurei por uma pátria, uma bandeiras ou patriota, tenho orgulho de ser brasileiro.

Discografia

Nossa primeira gravação foi graças a Zé Correa, que nos incluiu no seu disco “O Inimitável”. Participamos com  quatro músicas, dentre as quais Serenata de Amor para Você e Mensaje de Amor. Depois ele nos apresentou ao Mário Vieira, da Califórnia,que nos deu várias oportunidades. O segundo disco que gravamos foi o LP Céu na Noite Luna, com  música El Mensu. Em 1973 gravamos o LP de La Carreta e em 1974, o último disco Estampas Mato-grossenses – Boas festas. Foi um presente de natal que oferecemos aos nossos amigos e fãs. Traz Chalanas, composições para as cidade de sul-mato-grossenses e também músicas do capitão Furtado.

Infelizmente Jandira partiu em 1994, em conseqüência de um câncer generalizado.

Sonhos Guaranis

A língua da Nação Guarani, durante séculos,dominou os países que hoje  compõe o MERCOSUL: Brasil,Argentina, Paraguai e Uruguai. O Paraguai fundado por espanhóis, tornou-se bilíngüe e a língua guarani inspirou a maioria dos poetas paraguaios como Manoel Ortiz Guerreiro, autor de Índia e várias guarânias cujas letras mesclam o guarani e o espanhol.

No Brasil, também pode ser observada a influência do guarani na literatura e em todos os estilos musicais, bem como na dança ,no teatro e no cinema.

 

Influência Cultural Paraguaia

Quando terminou a Guerra da Tríplice Aliança, os combates do exército viajaram e carregaram as boiadas para alimentar os sobreviventes da guerra. À medida que os anos se passaram, essas boiadas foram se separando. Quando terminou a guerra, fazendeiros  que chegaram principalmente de Minas Gerais, começaram a se instalar em Rio Brilhante, Vacaria, Dourados, Ponta Porã e Amambaí. Por não saberem trabalhar com o couro, com a madeira ou laminar os postes, iam a Assunção contratar trabalhadores paraguaios para fazerem as divisas das fazendas. Eles para cá vinha trazendo panelas de ferro para cozinhar arroz carreteiro e a guampa para tomar o chimarrão com erva-mate.

Carregavam um saquinho com carne seca que chamavam de sesina. Colocavam a carne num arame e com uma pequena faca afiada faziam um cordão de carne, que secavam ao sol e salgavam. Nas horas de lazer tocavam um violãozinho com cravelhas de madeiras que cuspiam para molhar e afiar melhor, alisando até acertar.

Trabalhavam de sol a sol. Quando retornavam da lida, enquanto esquentavam o arroz para fazer arroz carreteiro acompanhado do chimarrão, pegavam o violão, no crepúsculo do dia, para receber a noite e, bem descansados, cantava suas angústias rasqueando o violão. Aos poucos os outros músicos foram aprendendo as melodias e os moradores das fazendas absorvendo os costumes dos paraguaios que cotiavam e rasqueavam o violão, dando origem à música sul-mato-grossense que é o rasqueado.

Chamamezeiros Legítimos

O chamamé é correntino. Antes só se ouvia a polca e o rasqueado. A geração que se seguiu trouxe o chamamé e eu sou um deles  que catava Tu Pañuelo. Antes de mim só o Zé Corrêa que tocava quilometro 11, depois Helinho do Bandoneon, Dino Rocha, Abel Baez ,entre outros.

E os adeptos foram surgindo. Hoje temos chamamezeiros legítimos, já nascidos aqui no mato grosso do sul, belos acordeonistas que não deixam a desejar.

O fato da música nascer em Campo Grande não impede que ela seja chamamé, o ritmo é  de chamamé.

Extraído do Livro “A Música de Mato Grosso do Sul – Histórias de Vida”.  Campo Grande/MS – 2009 páginas 323-333. Autoras: Maria da Glória Sá Rosa e Idara Duncan.


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